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CASOS ZARA & M. OFFICER

Aspectos de Due Diligence e “cegueira deliberada”

Antes de adentrar o tema deste texto em si, inicio propondo uma breve reflexão envolvendo aspectos de Due Diligence. Imagine que seja do quadro diretor de uma companhia já consolidada há anos em seu segmento de mercado.

Com base nessa presença de mercado de longa data é razoável presumir que a companhia tenha (ou deveria ter) um conhecimento dos valores comumente ofertados no mercado para a aquisição de produtos (matéria-prima) ou serviços que compõem a cadeia produtiva para a confecção de seu produto final (aquele que será introduzido ao mercado pela companhia).

Portanto, não seria, também, razoável esperar que essa organização fosse capaz de identificar a oferta de determinado valor por um produto/serviço como estando em um montante significativamente abaixo do valor normalmente cobrado por esses mesmos produtos/serviços no segmento de mercado em questão?

Este não seria um fato capaz de fazer içar uma “Red Flag” (alerta/suspeita) com relação ao fornecedor que pratique tais preços? Essa suspeita não seria um fator justificante da realização de uma Due Diligence (devida diligência) anterior à contratação desse terceiro? A não realização dessa devida diligência seria capaz de atuação deliberada da companhia em não querer “enxergar” (escolher ignorar) os riscos que despontaram com o hasteamento dessa Red Flag nas atividades do fornecedor?

Certamente, é competência do setor operacional de determinada organização a busca por baratear os custos de produção de determinado item/de materialização de serviço a ser ofertado. Contudo, até onde vão os limites (legais/éticos) dessa busca (necessária) pela redução das despesas para a execução da atividade fim do empreendimento empresarial?

De forma a ilustrar a indagações produzidas vamos abordar concisamente dois casos paradigmas envolvendo a indústria de confecção têxtil.

Recentemente, a marca M. officer (a qual integra o grupo M5 Indústria e comércio) foi condenada em segunda instância (TRT – 2ª Região) por possuir em sua cadeia produtiva, terceiros (oficinas de costura clandestinas) que, pelas condições de saúde, trabalho e segurança suportadas pelos que ali trabalhavam, faziam uso de mão de obra análoga à escrava. As multas aplicadas a fatos correspondentes aos anos de 2013/2014 foram estipuladas nos seguintes montantes R$ 4 milhões (danos morais coletivos) e R$ 2 milhões (dumping social)[1].

Além das disposições trabalhistas presentes em nossa CLT, outros limites legais à forma de se exercer o labor se encontram previstos no Pacto San José da Costa Rica (bem como nas Convenções 105 e 29 da OIT) e em nosso Código Penal (arts. 149 e 203)

O mesmo fato ocorreu com terceiros integrantes da cadeia produtiva da companhia ZARA em 2011 (tendo a mesma sido multada recentemente no montante de R$ 5 milhões pelo MPT após descumprimento parcial do TAC anteriormente firmado).

Na ocasião o dano reputacional (limites éticos) sofrido pela organização foi palpável, principalmente com a redução de sua participação de mercado (consumidores que exigiam uma forma mais ética na confecção de seu vestuário) e com a perda de valor de mercado por ela experimentada reflexo da queda vertical de suas ações na Bolsa da Espanha.[2]

Em ambos os casos foi considerado que o fato de as violações terem acontecido em estabelecimentos de terceiros, não exime as companhias de serem responsabilizadas em razão de terem se beneficiado do labor ilegal (se não tinham conhecimento desse caráter ilícito, era razoável a exigência de que deveriam saber) realizados pelos trabalhadores resgatados pelo MPT.

Conforme já apontado, as não conformidades aqui tratadas se mostram uma questão sensível em relação ao latente dano reputacional inerente à exposição das irregularidades reconhecidas na cadeia produtiva dessas duas companhias.

Isso porque qualquer organização que possua conexão, ainda que indireta, com o exercício de labor escravo, se sujeita à inclusão na conhecida “Lista Suja” (cadastro de empregadores nos quais se reconheceu a submissão de trabalhadores a condições análogas a de escravo). Não obstante, é importante notar que somente após lapso temporal de dois anos, caso não haja repetição de tais práticas, é que a companhia consegue se ver excluída desse rol indesejável.

Em razão das questões aqui levantadas é que se mostra especialmente importante a execução de Due Diligence prévia à contratação terceiros que aspirem integrar a cadeia de produção de determinada organização (da mesma forma é relevante a realização de Due Diligences periódicas nos terceiros contratados para a verificação da manutenção da conformidade dos mesmos com as regulações pertinentes).

Ainda, outra ferramenta que pode se mostrar significante para a ciência de eventuais não conformidades por parte de terceiros já contratados (inclusive autorizando a rescisão desses contratos) é a existência de um efetivo fluxo de comunicação de não conformidades apto a garantir seu acesso a qualquer parte interessada em realizar a comunicar ocasional irregularidade. Assim, a execução de Due Diligences é essencial para que a organização finque suas raízes e ramificações em solos férteis (capazes de agregar valor a marca, e não a ensejar eventual dano reputacional) e dali colha frutos. Afinal, como disse uma vez Abraham Lincoln: “Be sure to put your feet in the right place, and then stand firm”.


[1]  http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI268945,71043-M+Officer+e+condenada+em+R+6+mi+por+trabalho+analogo+ao+escravo

[2] http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2017/09/1922565-so-repressao-nao-combate-trabalho-forcado-na-moda-aponta-dialogos.shtml

Por André H. Paris, publicado originalmente em: http://compliancereview.com.br/due-diligence-cegueira-deliberada/

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André H. Paris

É autor do livro “Compliance – Ética e Transparência como Caminho” (traduzido para a língua inglesa com o título “Ethics & Transparency – A Path to Compliance”). Autor do livro “As Políticas de Leniência Antitruste e Anticorrupção Nacionais e as Lições Estrangeiras”. Professor de cursos de MBA em Privacidade de Dados. Professor em cursos de pós-graduação e de educação executiva em Governança, Riscos e Compliance. Certified Information Privacy Manager (CIPM) pela International Association of Privacy Professionals (IAPP). Certified Compliance and Ethics Professional-International (CCEP-I) pelo Compliance Certification Board (CCB). Possui Educação Executiva em Privacy Program Management pela International Association of Privacy Professionals (IAPP). Certificação Profissional em Compliance Anticorrupção – CPC-A pelo LEC Certification Board. Possui Educação Executiva em Compliance através da Compliance & Ethics Internacional Academy pela SCCE. Possui Educação Executiva em Compliance pelo Insper (SP), em Implementação Prática de Programas de Compliance, em Investigações Internas de Compliance, em Compliance Financeiro e em Proteção de Dados, todos pela Legal, Ethics & Compliance (LEC). Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Possui um Ll.m em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas.

Anna Luiza Guerzet

Advogada e Startup Legal Advisor. Graduada em Direito (UFES). Certificação em Privacy and Data Protection Essentials (EXIM). Educação Executiva em Direito das Startups e Transformação Digital (INSPER/SP). Educação Executiva em Lei Geral de Proteção de Dados: Teoria e Prática (FGV). Educação Executiva em Introdução à Propriedade Intelectual pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e World Intellectual Property Organization (WIPO). Educação Executiva em Planejamento Tributário (IBMEC). Membra da Comissão de Startups, Inovação e Proteção de Dados (OAB/ES).